martes, 22 de septiembre de 2009

Paixão até que a morte - dela - os separe

Quando eu morresse, eu queria que a gente já não se amasse mais. Quê? É, assim, tivesse dado tudo o que tinha pra dar, sabe. Que a gente não se gostasse mais como se gosta hoje. Que você estivesse aberto para novas possibilidades e lembrasse de mim com carinho e sem dor. Mas por que você diz isso? Porque é verdade. Eu queria que durante a vida eu e você pudéssemos tirar de nós todo o suco, e que antes de eu ir embora, só restasse o bagaço. Tão romântico para o momento. É, mas é romântico. Eu digo porque eu amo você. E me amo, também. Eu não queria que você sofresse com a impossibilidade da vontade abortada. Eu queria que não houvesse mais vontade, por não haver mais possibilidade. E também, enquanto houvesse possibilidade, houvesse muita vontade. Entendeu? Entendeu o meu amor, a minha paixão? Entendi. Então vem pra cá, dorme comigo.

Vai dar namoro ?

Eu, Roberval, estava ali, no Melhorr do Brasil. Minha chance de encontrar a mina dos meu sonho. Moro em Taboão da Serra, sou auxiliarr de telemarketing, gosto de ouvirr funk, sertanejo e música romântica, sou etlético. É, isso que eu tenho que dizerr pro Márrcio, pra conquistá as mina. Pô, as mina num são diferente das de Taboão, mas eu to aparecendo da TV, meol. Mess se eu num incontro uma aqui, vai que faço sucesso lá em Taboão?

O número noveee, Roberval! Vem pra cá, Roberval.

- a platéia delira –

Devo ta muito bonito mesmo.

Tudo bom, Roberval?
Tudo, Marrcio!
Onde você mora? Taboão da Serra, Márrcio. E trabalha em quê? Sou auxiliarr de telemarketing, aqui no centro. E vem todo dia pra trabalhar? Venho, Márrcio. Uhm, dá uma viradinha, viradinha, viram meninas? Gostaram do Roberval?

- silencio, risadinhas.

Então, Roberval, vamos ver com o cupido eletrônico, ele decide ou elas escolhem?

- cupido eletrônico diz que elas escolhem.

E ai, Nayara, vai dar uma chance pro Roberval?
Hoje não, Márcio.

E aí, Jeanne, gostou do Roberval?
Ele mora onde?

Não é possível, essas mulheres são burra? Eu já falei, Taboão da Serra!

Taboão da Serra, Jeanne!

Muito longe, Márrcio!

E hoje não, Márrcio foi o que Roberval mais ouviu. Até chegar à mais feia. Não a última, que ela era até ajeitadinha. A mais feia. A Janette.

Janette, quer ir conversar com o Roberval?

Quero! – vermelhinha.


Ah, meoool!!! Logo ela?


Sorriso amarelo, Roberval e Janete na lanchonete.


Hihi, eu moro em Itaim Bibi, Roberval.
Aham
Você mora em Taboão da Serra, né?
¬¬
Quais as suas qualidades, Roberval?
Sou um cara bacana, trabalharorr, sincero...
Ih, você é sincero? Márrciooo!!! Me tira daqui!

Que foi, Janete? O Roberval mora muito longe?

Não, Márrcio, ele é sincero. Sinceridade não é qualidade. Manda ele pro toco.

E você é feia!!!

E Janete voltou para Itaim Bibi com toda a pose.
E Roberval, com aquela aura de filho-da-puta.

E nem ele nem ela arrumaram namorado. Só seus 15 minutos de fama, deixando os espectadores do melhor do Brasil pensando que aquele programa é infinito, quando você acha que já viu de tudo, vem a verdade:
mais uma feia sai sem ninguém e sinceridade fere.

martes, 15 de septiembre de 2009

A dor de cada um

O menino de seis anos perdeu a sua bola. Era a única bola que ele tinha para brincar, a alegria dos meninos da rua. Ela furou ao bater nos pregos de um muro. O menino sofreu durante muito tempo, por não encontrar nada que lhe divertisse tanto quanto aquele brinquedo. O seu sofrimento era sincero.

Já a mãe do menino, essa sofria porque era infeliz no emprego. Não podia largá-lo, porque seria difícil encontrar outro. E, não era uma sociedade de utopias, mesmo que encontrasse, seria difícil que fosse melhor do que o que ela tinha. E tinha mais duas bocas para sustentar. E daquela situação ela não saia.

A irmã do menino, de 16 anos, essa sofria por uma paixão. Sofria com sinceridade, e chorava, melancólica pelos cantos. Alguns diziam que sofria em demasia, porque o rapaz não prestava. Mas ela o amava e ele não a correspondia. Alguns diziam “tem coisa pior no mundo, menina”, mas ela sofria o sofrimento dela, na intensidade que oscilava no dia a dia, maior, menor ou igual.

Já o pai, esse poderia chorar porque estava doente. E sabia que iria deixar de ver a família, dali a algum tempo. E não havia avisado a ninguém, porque cada um tinha as suas tristezas. Ele podia dizer que a sua tristeza, a da morte, era superior à amargura amorosa, à frustração profissional, ou ainda à falta prática da diversão da bola do caçula. Mas ele sabia que cada um tinha a sua aflição, e que essa não se mede em quantidade. Não adianta dizer que a tristeza de seu caçula era menor que a sua. Cada um tem a sua dor, lida com ela da forma que dá.

E o pai tirou mais essa lição, daqueles dias terminais. Sentiriam falta dele. Mas também sentiriam falta da bola, do emprego, do namorado. Questões que permeavam a vida de cada um com muito mais proximidade do que ele próprio, que apenas observava aquelas dores, pensando, sem dor, na sua própria.

domingo, 6 de septiembre de 2009

Bolo de noivos

O bolo de noiva pernambucano é tradicionalíssimo. Tem no casamento do pobre ao rico. Feito há muito tempo, sempre presente.

Acontece que na última sexta, o bolo de um casamento foi paradoxal ao tradicionalismo. Um tradicionalismo no meio da modernidade. Ainda bem. Certos tradicionalismos não deveriam perdurar.

A babá de um dos noivos fez outro bolo, que acompanhasse o bolo de noiva da festa. Aliás, não havia noiva, na festa. Só noivos. Dois. De branco. E pétalas de rosa, fogos, entrada com as mães em marcha nupcial. E um beijo, um discurso, e emoção. A diferença eram os noivos, dois. Fora isso, nada de mais. Ou tudo de mais, como queriam eles. E certos estão. Celebrar sua união em um lindo casamento, pioneiros, dando visibilidade ao amor, igual a qualquer outro. Um amor do tipo tradicional, que infelizmente ainda é visto como muito moderno por religiões ou preconceitos.

A antiga babá de um dos noivos fez um bolo diferente para esse casamento não tradicional. Que venham mais bolos de casamentos entre homossexuais e que o diferente vire tradição. Parabéns aos noivos (:

http://jc.uol.com.br/canal/lazer-e-turismo/noticia/2009/09/04/turibio-e-zezinho-o-sim-mais-comentado-da-decada-no-recife-198680.php

jueves, 20 de agosto de 2009

Gioconda, o polvo de dois tentáculos


A Gioconda se transformou em um polvo, de oito tentáculos. A Gioconda fazia 8 vezes mais, tudo naquele mar. Ela estava fazendo tudo ao mesmo tempo, apertando a mão de conhecidos, tirando meleca do nariz, acenando olá e adeus, passeando com cachorros-marinhos e segurando um livro, enquanto isso.

A Gioconda não estava muito feliz, a não ser pela meleca do nariz, pelo livro e pelos cachorros-marinhos. Acenar olá e adeus pareciam coisas muito diferentes para se fazer ao mesmo tempo. Ela conhecia muita gente, agora, e apertava a mão de todos, mas não conseguia usar dois tentáculos para abraçar, achando que usar dois para fazer uma coisa é desperdício, quando um só já resolve um problema.

Daí passou um barco. A turbina arrancou seis dos oito tentáculos da Gioconda-do-mar. Gioconda ficou só com o tentáculo do livro e o da meleca. Foi-se tudo embora. Os conhecidos, aterrorizados pelo tentáculo amputado; os adeus e os olas; até os cachorros-marinhos saíram em disparada.

Mas como aquilo não era real, era só um sonho, Gioconda resolveu que, tendo um tentáculo para tirar a meleca do nariz, assoá-lo, e pentear seus cabelos de polvo, estava bem. E a mão do livro, ela poderia usar para dizer adeus e olá, cada um a seu tempo, cada um com seu cuidado.

A Gioconda acordou e viu que ela tinha, mesmo, duas mãos para fazer o que era preciso. E desejou ter apenas dois braços, para fazer uma coisa de cada vez. E foi com eles que ela abraçou o seu cachorro, que nunca fugiu dela. Só do banho, depois do passeio matinal.

jueves, 30 de julio de 2009

A porta da Frente

Não haverá mais sorrisos à porta
A espera, ela encostada, o sorriso recíproco. Tudo isso já se foi.

Agora o que lhes espera é a casa.
Talvez o cão.
O cão sentirá falta dela, talvez mais do que você.

Mas você sentirá falta do sorriso e da espera na porta
Do abraço, da comida e da casa,
Dos cheiros e do sofá.

Sentirá falta dos domingos partilhados, dos dias de semana
Sentirá.

Falta da porta e do sorriso, abertos,
Ao abrir a própria porta, com a própria chave
E bater apenas à sua porta.

domingo, 19 de julio de 2009

Souvenir cotidiano

Amanhã é o dia do amigo. Eu sou nômade, e não me apego. Aliás, apego. Temporariamente. Mas desapego quando preciso. Mas as coisas eternas são fortes, e o que fica de verdade, fica. Amanhã é o dia do amigo e eu tenho muitos deixados pelo mundo. A amizade não é a mesma, o contato, tampouco. O cotidiano mudou, as pessoas mudaram, pensamentos, modas, cidades, gostos. Mudou tudo.

Mas o momento congelado e bom ficou. E ele poderia ser retomado com muitos que ficaram pelos meus caminhos. Com novas óticas, novas coisas. Eles provavelmente não serão retomados, porém. Agradeço os antigos, sua contribuição para a minha vida. Lembro-me deles com carinho, de nossos momentos. Gostaria de ter escrito em outros 20 de junho e dizer a eles nesse dia quanto os amava. Mas eu devo ter dito, em outros dias de junho, de agosto, de abril. No natal, nos aniversários. Em dias de semana, de aula, de chatice. Fico feliz por não ter deixado de amá-los, e de dizer, e de demonstrar. O momento passado e vivido foi o importante.

Então, vivendo o hoje, eu agradeço pelos amigos cercanos, os amigos cotidianos. Os meus amigos atuais. Pelo que eles me dão e pelo que me deixam dar. Digo, porém, que não deveria haver data de amizade. De redenção, de reviravolta para ela. "Natal da amizade". Não. A amizade tem que ser conquistada a cada dia, vivida, relembrada, curtida, elaborada. Amizade não tem data comemorativa no varejo, não tem presentão. Ela é feita de presentinhos e lembrancinhas. De souvenirs, que em francês são lembranças e em português, lembrancinhas. É nesses souvenirs que a amizade se constrói.

Esse texto é um souvenir para agradecer a amizade de quem sabe e lerá.
Obrigada por estar na minha memória, mesmo que as coisas mudem, vocês ficam.
Porque souvenir a gente guarda com carinho, que são lembranças de lugares e tempos felizes. E vocês são tempos felizes.

Nina.

viernes, 26 de junio de 2009

Aliene

Aline me aliena dos problemas
Com a dança, com a comida, com a conversa
Aline conversa para me resolver
Aline dança para me reanimar.
Aline me embala
No baile,
Bailando
Até eu parar de chorar.



(para Aline)

sábado, 6 de junio de 2009

Vermelho na xícara

A água estava quente e doce, o sachê ia pintando aquela garapa quente de vermelho. Pintando, pintando, a tinta escorrendo desordenada ali pelas moléculas. A xícara era branca, o que facilitava a visão de um quadro sendo pintado pela física ali mesmo, naquela pia. Como se aquele sache sangrasse sua cor na água quente, porque ela lhe feria. Até que a mãe foi e mexeu. E deixou tudo uniforme, vermelho cor de morango, toda a xícara.

E daí a menina sentiu o perfume, porque até agora não havia respirado. Prendia a respiração como em um filme de suspense dos bons. E sentiu o cheiro de morango, e sorriu. Perguntou se era chá de bala. A mãe respondeu que a bala estava na geladeira. Não havia prestado atenção na pergunta da menina. Ela pediu um chá de bala para ela. A mãe, que tomava o chá sem prestar atenção em nada, disse que buscasse na geladeira a bala.

E a menininha foi buscar a xícara para fazer chá de bala. Pegou o resto de água quente, juntou açúcar, e foi pegar aquelas balas em sachês, os chás. E colocou um sachê dentro da xícara e observou a fumaça que saia, sentiu dessa vez o cheiro, e viu as cores pintando a água. Dessa vez ela descobriu que havia coisa melhor do que bala dentro da despensa, e abriu os seus sentidos para mais uma descoberta da mais tenra idade, feita por ela para ela mesma.

miércoles, 3 de junio de 2009

Mergulho

A Gioconda saiu naquele dia com seus amigos para mergulhar. Alugou um barco, scubas, roupa de mergulho e saiu para o mar. Gioconda sabia que no local havia corais e tubarões. Havia avisado aos amigos, para que não chegassem ao local desavisados.

Seus amigos chegaram e estavam muito excitados. Com o mergulho, a praia, o sol e o céu. Começaram a vestir a roupa, falar sobre os corais, as scubas e os peixes, quando a Gioconda disse “e os tubarões?”
E os amigos a olharam, com tanto medo: “tubarões?” eles disseram.
E a Gioconda disse “é possibilidade. São tubarões pequenos, não fazem mal a ninguém”.

E a Suzaninha começou a passar mal. A ter náusea, ficar branca, e dizer que não ia mais. Também o namorado da Suzaninha, desistiu por dizer que com tubarão, nem ele nem Suzi iriam, não iriam aos corais!

E até mesmo o Coragem não quis ir. Coragem disse que se havia possibilidade de tubarão, não valia ir e se arriscar. Ele não tinha nem como se defender com seu arpão, que deixara em casa, junto com o remédio de pressão, que começava a subir, depois que a Gioconda disse “a falta de coragem de vocês não me impede de ir.”

E a Gioconda se montou. Sabia que o tubarão não poderia ser tão mal, e que o que ela mergulharia para ver seria compensador.

Desceu pela corda, olhou com calma o fundo do mar, os peixes, viu um tubarão. Ele passou por longe, seu coração bateu mais forte... mas a Gioconda mergulhou, por muito tempo, junto com ele, que curtiu ao seu lado a paisagem submarina. O tubarão era apenas uma possibilidade. E ele esteve ali, mas não era tão ruim. E a Gioconda não perdeu de ver o resto, por causa da possibilidade do perigo.

Gioconda subiu à superfície, olhou para seus amigos, que comiam camarão e tomavam sol, esperando por notícias delas.
“E o tubarão?”
“Ele apareceu.”
“Você teve medo?”
“Tive. Mas valeu.”

domingo, 31 de mayo de 2009

Poema soro caseiro

O hipocondríaco passava mal
Achou que o soro iria melhorar o seu astral
Botou uma colher de açúcar e uma de sal
Num copo cheio de água
Para tentar curar as suas mágoas.

Bebeu, mas não se satisfez
A pressão não voltou logo de vez
Então ele foi ao hospital, de quem era freguês

Chegou ao médico, pediu para ser examinado.
Coitado:
O que tinha não era desidratação
Era uma vida sem emoção.

Tratado com soro caseiro, o médico lhe deu um placebo
Mandou-o para casa, com o seguinte conselho:

- Não tome mais o soro caseiro
Coma feijão tropeiro
Que tem muito ferro e vitamina
E vá procurar ver meninos e meninas
Que alimentem você e seu corpo inteiro, - se você os encontrar, pensou salutar -
Homem soro-caseiro.

viernes, 27 de marzo de 2009

Sobre a casa do Canarinho

Quando era pequena, minha mãe lia para mim as histórias de Laura Ingalls. Eram histórias cotidianas, que dentro do dia-a-dia tinham sua dose de magia. Laura era uma menina que vivia se mudando com os seus pais, oeste adentro, nos EUA de 1800’. Ela teve várias casas, sempre construídas de madeira. Sempre imaginava as casas e como deveria ser viver dentro delas, no frio que fazia lá.

Mas o que eu acho singular nas histórias, é de como pequenas coisas, tão simples, rendiam uma história. Uma que me assombrou nos últimos dias, foi a da janela. Sim, janelas não eram algo que se comprava ali, no mercado a preço de banana. Eram caras. Laura conta que o seu Pa trouxe um embrulho (sempre trazia embrulhos, que eram sempre surpresas), e nesse estavam quatro pedaços de vidro, que ele encaixou em uma das paredes. Laura pode ficar olhando a neve que caía, se sentindo quente dentro de casa, mas com um pedacinho do mundo de fora nos seus olhos.

Laura ficou fascinada com o vidro e seu poder de transparência e proteção. Foi um dia especial para ela, que ficou na janela durante muito tempo, olhando a neve e escutando seu ritmo, pensando na vida. Surpresas pequeninas, trazidas em papel, da venda, na neve, no frio, que aqueciam o lar.

Muito bom para fazer uma criança dormir.

domingo, 15 de marzo de 2009

Eletricidade em prazer, prazer em sentimento


Hoje estava no sofá, recebendo carinhos no rosto. Carinhos que fazem o olho revirar de prazer, melhores que muitos carinhos que uma pessoa possa receber. Cafunés e arranhões leves, desses que botam você para dormir.

E então pensei que esses prazeres deveriam continuar depois da morte. Que os anjos deviam se acariciar, não só pelas boas ações, que inundam o corpo de prazer, mas essas pequenas torneirinhas somáticas, os carinhos.

Então filosofei que a alma deveria estar contida, não como pensavam os antigos, no coração, mas nos nervos. No sistema nervoso. Ele interpreta os sinais de amor e de dor, o olhar e o tapa, o cafuné e o sorriso. E por ele nós interpretamos as ações de fora, transformando carinhos em amor, sorrisos em sorrisos, olhares em abraços, tudo isso em sentimento.

Os anjos têm de ter sistema nervoso.
Têm de ter unhas não roídas para melhores cafunés.
Precisam de nuvens fofinhas, para gigantes rodas de carinho, conversa à toa e massagem para pés que nem tocam o chão, mas tocam as mãos que os acariciam.

domingo, 1 de marzo de 2009

Também sobre o livre arbítrio.

Alexandra era uma empregada doméstica. Uma mulher de caráter, boa mesmo. Como dizia seu nome, ajudava os homens. Inclusive seu marido, um bêbado, que batia nela, uma vez por semana, religiosamente. Inclusive seu patrão, que tirava dela qualquer copo quebrado. Inclusive os que cegou durante meia hora, por meio trocado, em sua juventude. Inclusive ao pastor da igreja, a quem dava dez por cento do salário bruto, sem o desconto dos copos.

O único homem que ela gostava de ajudar era o bebê do patrão. Aquele recebia ajuda e ao menos dava risadas em troca.

Mas naquele dia, nem o bebê a prendia. Alexandra tinha muita ajuda dada, pouca recebida. Muita dela tirada. Da ajuda e da Alexandra. Então ela, limpando a varanda, olhou para fora. Viu aquela calçada bonita. Era de manhã, cedo. Ela tinha que levantar cedo para trabalhar. Porém, naquele dia estava com muito sono. Muito cansaço. Exaustão de anos. O único que dormia era o bebê do patrão. Ela não podia deitar em canto algum, que não o chão frio. Então pensou em deitar no parapeito da varanda. Não fazia em inocência.

Ela se deitou. E olhou o céu. E se lembrou de Deus. Talvez, além do bebê, o único que dava alguma recompensa a ela. Quando ela morresse. Não que ela tivesse raiva Dele, mas a sua vida não era fácil: era difícil. E Alexandra queria conhecer Deus. Já não acreditava que pecado maior era tirar a vida que a ela foi concedida, já que com a vida foi dado o livre arbítrio. E pensava nisso enquanto via a lua, que nascia com o sol. Pensava que as coisas conseguiam conviver bem juntas, mas ela não conseguia, com o mundo.

Pensou que talvez o bebê sentisse falta dela, mas que ele poderia ter outra babá. Ela sentiria mais falta dele, muito mais falta do que qualquer outro homem de sua vida. Os outros, aliás, só dariam pela sua falta na necessidade: do dízimo, do lucro no salário, do gozo ou do saco de pancadas. Então ela resolveu dormir. Deixou-se estar ali, como uma equilibrista em uma corda bamba. Estava suportada apenas por aquela linha de concreto, entre a vida com, no máximo, uma pancada forte, coisa pouca para quem já viveu tantas; e a morte, que parecia muito melhor que a vida.

E dormiu. E dormiu muito bem. Embalada pela brisa, que não sentia há muito, do barraco onde morava. Quase tão bem quanto em seu próprio colchão. E acordou em um sonho, com um homem diferente afagando seus cabelos, sem pedir nada em troca.


* Não há melhor modo de auto-crítica que a ausência da crítica alheia.

jueves, 19 de febrero de 2009

Rugas

Eu me pergunto se as rugas são más. Vejam, rugas são cicatrizes de expressões. Digamos, em um eufemismo, “sinais de expressão”. E são. Normalmente, quem mais faz careta é quem mais tem rugas. Ou quem ri muito, fica com aquela no canto da boca. E se a pessoa ri e aperta os olhos, de tanta alegria, fica com pés de galinha.
Pé de galinha, considerado horroroso, a-ca-ba com o olhar.
Por quê?

Rugas são como um documento da expressividade do ser humano ao longo de sua vida. Feias são as da testa, que são carrancudas.
Mas pés de galinha e aquela do sorriso, que quando vejo pessoas com ela, me lembro de cachorros simpáticos, por que, feias?

Temos que parar com isso. Assumir as rugas felizes, e continuar construindo elas, através dos sorrisos.
Li uma vez que havia mulheres que não tinham rugas. Não tinham porque não podiam rir ou sorrir muito. Era uma cara de paisagem, um dia atrás do outro. Então, quando olham para o espelho, não têm do que se lembrar.

Lembrei agora do sargento Tainha, do recruta Zero. Ele não sabia sorrir. Não conseguia forçar os músculos da face. Ele só tinha rugas carrancudas.
Isso sim é feio.


(ao lado, Sargento Tainha, exercitando seu sorriso)

lunes, 9 de febrero de 2009

O beijo que enfeita a rua


Essa é uma foto de um fotógrafo francês chamado Robert Doisneau. Ele é bem famoso e tem fotos muito bonitas e simples, mas essa deve ser a mais famosa. Chama “O Beijo No Hotel De Ville”. Veja como tudo é banal, diante do beijo do casal. De como ele se destaca no meio da multidão e do trânsito que corre, desatento ao afeto que atrapalha a sua caminhada na calçada ou na rua. Também observe como os amantes não se importam com o trânsito, com o frio, com os transeuntes, com a diferença de altura. Nada nessa foto é mais importante do que esse beijo, nem o café, de onde a foto foi tirada; nem os carros, que vêm e vão; nem mesmo o hotel- no título da foto - que é apenas uma paisagem ao fundo. O que importa mesmo é o flagrante do beijo em um dia qualquer, no meio da rua movimentada, de pessoas inexpressivas, cuidando de suas vidas, alheias ao amor que interrompe o fluxo da rua. Importa mesmo isso, a paixão nos lábios do homem e a perplexidade feliz, que dá para se perceber nas mãos e no pescoço da mulher, que está se esticando para poder beijar melhor.

domingo, 8 de febrero de 2009

Maravilhas da minha casa, na infância

Quando eu era menor, eu achava muitas coisas fascinantes. Por exemplo, eu gostava de ver o cordão umbilical dos peixes. Depois, passei a notar que eles ficavam maiores em peixas barrigudas, as peixas grávidas, e achava que era um cordão umbilical dos peixinhos no útero da mãe, que queriam fazer contato com o aquário. E ali eu passava tempos, na minha vã filosofia, até que eu falei com algum adulto de me disseram “é cocô, Nina.”

Desilusão.

Outra coisa que também me fascinava eram as fadas, que ficavam visíveis no raio de sol, que entrava, de tarde, pela janela do quarto da minha mãe. Eram muitas, branquinhas, com asas simétricas, voando graciosamente em torno de mim. Sendo mostradas pela luz que entrava, como uma projeção de cinema no chão do quarto. Às vezes eu parava o dever de casa para olhar aquilo ali, aquela dança de fadas, até que um dia me disseram ou- sei lá - conclui, que era apenas poeira.

Mais uma desilusão.

É incrível como as coisas podem não ser o que parecem, ser mais bonitas, se você olhar para elas de um jeito inocente.

jueves, 5 de febrero de 2009

Matemática

O mundo é um plural de singulares.

Singulares são as vidas, que vivem sós, por mais que se diga que se vive em conjunto.
Mas não há o plural.
Há um conjunto de uns.
Diria o "The Year of The Rat" que "one plus one is one together" e é isso o que é.
Não são fundidos, são apenas lado a lado, formando um dois, que nada mais é do que um mais um.

A singularidade não é má.


The Year of The Rat
http://www.youtube.com/watch?v=PScUdYTO0UM

Carteiro dos milagres

Algumas pessoas atribuem milagres a santos. Milagres miraculosos mesmo, de cura de doenças e congêneres. Eu não acredito em santos ou interseções entre eu e Deus. Talvez seja a influência da minha mãe, talvez seja a minha falta de vergonha perante as autoridades. Talvez, a pressa para que o pedido chegue logo de uma vez e pare com a pouca vergonha da burocracia. Não acredito que o céu vá ter burocracias, que foi uma coisa inventada pelo demo e pela sociedade terrena. Mas não acredito no demo e acho que a sociedade terrena é algo primitivo em certos aspectos, principalmente em sua burocracia.

Então, voltando aos milagres. Acredito nos milagres pequeninos e nos médios, porque eles já me foram feitos. Agora há pouco, estava procurando com mais fé em Deus do que em mim mesma, o cabo USB da câmera digital. E estava naquela, já pensando que hoje, só se eu tirasse uma fiação louca para conseguir passar as fotos e blábláblá, olhei no lugar mais ridículo e encontrei o tal fio. Depois de ter pedido a Deus que fosse brother e me guiasse até o negócio. E daí eu fico pensando que Deus deve existir, porque não é possível que tudo que eu peça ele me dê.

Um dia, resolvi testar o Criador pedindo para que entrasse uma pessoa em minha vida. Não um conhecido. Eu idealizei, Deus apontou e disse, “ta bom pra você?” Uns meses depois eu descobri que Ele havia me dado o que eu havia pedido, detalhe por detalhe. Pensei que Deus deveria existir mesmo. Assim como quando eu estava perdida, perdida mesmo, e rezei para chegar a uma casa onde ia, e a casa apareceu na estrada onde eu estava - só - tarde da noite.

Durante a vida, pedi milagres ou até mesmo simples pedidos que achava que seriam melhores para mim. E Deus, pai babão que é (sem ofensas, Senhor!), me deu. Até que eu descobri que Ele sabia o que era melhor para mim. Não eu. Então, por vezes, quando eu vou pedir algo, eu paro, penso e peço, ajuntando um “se for o que vai me fazer mais feliz”. E Deus me dá, de um jeito ou de outro.
Pode até demorar, mas vem.

Talvez Deus não tenha SEDEX 10 para milagres grandes.
Talvez sejam muitos milagres grandes, para a lotação par avion de correios celestes.
Mas Ele é um grande Carteiro, e nunca erra o endereço ou a encomenda, sejam bilhetes telegráficos ou caixas de presentes celestiais.