domingo, 1 de marzo de 2009

Também sobre o livre arbítrio.

Alexandra era uma empregada doméstica. Uma mulher de caráter, boa mesmo. Como dizia seu nome, ajudava os homens. Inclusive seu marido, um bêbado, que batia nela, uma vez por semana, religiosamente. Inclusive seu patrão, que tirava dela qualquer copo quebrado. Inclusive os que cegou durante meia hora, por meio trocado, em sua juventude. Inclusive ao pastor da igreja, a quem dava dez por cento do salário bruto, sem o desconto dos copos.

O único homem que ela gostava de ajudar era o bebê do patrão. Aquele recebia ajuda e ao menos dava risadas em troca.

Mas naquele dia, nem o bebê a prendia. Alexandra tinha muita ajuda dada, pouca recebida. Muita dela tirada. Da ajuda e da Alexandra. Então ela, limpando a varanda, olhou para fora. Viu aquela calçada bonita. Era de manhã, cedo. Ela tinha que levantar cedo para trabalhar. Porém, naquele dia estava com muito sono. Muito cansaço. Exaustão de anos. O único que dormia era o bebê do patrão. Ela não podia deitar em canto algum, que não o chão frio. Então pensou em deitar no parapeito da varanda. Não fazia em inocência.

Ela se deitou. E olhou o céu. E se lembrou de Deus. Talvez, além do bebê, o único que dava alguma recompensa a ela. Quando ela morresse. Não que ela tivesse raiva Dele, mas a sua vida não era fácil: era difícil. E Alexandra queria conhecer Deus. Já não acreditava que pecado maior era tirar a vida que a ela foi concedida, já que com a vida foi dado o livre arbítrio. E pensava nisso enquanto via a lua, que nascia com o sol. Pensava que as coisas conseguiam conviver bem juntas, mas ela não conseguia, com o mundo.

Pensou que talvez o bebê sentisse falta dela, mas que ele poderia ter outra babá. Ela sentiria mais falta dele, muito mais falta do que qualquer outro homem de sua vida. Os outros, aliás, só dariam pela sua falta na necessidade: do dízimo, do lucro no salário, do gozo ou do saco de pancadas. Então ela resolveu dormir. Deixou-se estar ali, como uma equilibrista em uma corda bamba. Estava suportada apenas por aquela linha de concreto, entre a vida com, no máximo, uma pancada forte, coisa pouca para quem já viveu tantas; e a morte, que parecia muito melhor que a vida.

E dormiu. E dormiu muito bem. Embalada pela brisa, que não sentia há muito, do barraco onde morava. Quase tão bem quanto em seu próprio colchão. E acordou em um sonho, com um homem diferente afagando seus cabelos, sem pedir nada em troca.


* Não há melhor modo de auto-crítica que a ausência da crítica alheia.

3 comentarios:

Mariana Gominho dijo...

trágico, non?

Lee dijo...

E existem muitas alexandras como esta, pode crer.
Beijo, Ninote!
=***

Julia Magnoni dijo...

Seu melhor texto.